A Senhora de K’anamarka e a relevância da computação gráfica para o turismo

For who speaks English, please see this link: http://arc-team-open-research.blogspot.com.br/2017/07/the-lady-of-kanamarka-and-relevance-of.html

Pela oitava oportunidade viajei ao Peru, como sempre fui muito bem tratado e desfrutei de bons momentos em toda a extensão do espectro social. A grande diferença desse episódio em relação aos outros sete, talvez seja o fato de eu ter me dado conta de como a computação gráfica pode ser relevante para áreas aparentemente desconexas de suas pretensões iniciais, como por exemplo o turismo. Em face disso compartilharei com vocês as minhas reflexões e histórico de como as coisas se desenrolaram naquele belo país andino.

Etapas da reconstrução facial da Senhora de K’anamarka. Essa mulher foi vítima de uma cirurgia de trepanação em seu crânio modificado (crânio deformado artificialmente, crânio “ET”).

Algo parecido havia acontecido em episódios anteriores, basta citar a reconstrução facial de Gufán (o brasileiro de 2000 anos) que levou em um dia o número de visitantes de um mês ao Museu Paranaense. A apresentação do busto de São Valentim em São Valentim do Sul (RS), que lotou um a igreja de 1200 lugares, em uma cidade de pouco mais de 2000 habitantes. Além desses dois fatos, não posso deixar de citar a reconstrução dos homens de Lagoa Santa, um feito propagado na mídia nacional e internacional, que claro, chamou a atenção para o sítio arqueológico da cidade, bem como incrementou consideravelmente o número de visitantes para o Museu da Lapinha.

Vistas do crânio da Senhora de K’anamarka

A Senhora de K’anamarka

Voltando ao Peru, o primeiro projeto lá apresentado trata-se da face da Señora de K’anamarka, cujo os restos mortais foram encontrados pelo arqueólogo Marco del Pezo em 2004. Fui convidado a participar desse projeto pelos antropólogos físicos Dr. Oliver Medina e Dra. Elva Torres. O trabalho foi tranquilo, posto que o Dr. Medina é especialista em fotogrametria e me passou o crânio ricamente digitalizado em 3D. A partir daí construí a face e arquitetamos a sua apresentação com o auxílio da Universidade Inca Garcilaso de la Vega, da qual faço parte da equipe e com a qual desenvolvi uma série de projetos naquele país.

Alguns acontecimentos interessantes nortearam a apresentação da face. Inicialmente a revelação do rosto estava programada para ser feita em uma sala com 120 lugares. Logo no primeiro dia do seminário onde fomos apresentados, o público compareceu em peso e muitas pessoas tiveram que assistir de pé o evento. Isso obrigou os organizadores a trocarem de sala, no outro dia a apresentação do rosto aconteceu em um espaço para 400 lugares! A imprensa compareceu em peso e a notícia da reconstrução se tornou manchete nos principais jornais e TVs do Peru.

No outro dia fui convidado a visitar o sítio arqueológico de K’anamarka, onde descobriram o crânio. Uma viagem de quatro horas a partir de Cusco, cidade onde nos encontrávamos. Além da distância nos subiríamos um pouco mais, rumo a 4000 metros de altitude! Temi pelo meu fôlego e meu estômago, mas felizmente ao que tudo indica tenho excelente resistência a altitude, pois não senti nada de diferente, com exceção do ar que não era tão abundante como nas partes mais baixas.

Chegando ao sítio fui tratado quase como um chefe de estado, ao menos foi o que senti. Depois de 4 horas de viagem e naquele lugar de ar limpo e visual maravilhoso, pude avistar que uma delegação já nos esperava na entrada da antiga cidade. Ao descer fui abordado por repórteres, guias e representantes da Municipalidade de Espinar, que me regalaram alguns presentes, dentre eles vistosas indumentárias locais, que abrandaram o frio e aqueceram o coração com tanto calor humano.

Cada passo que demos foi acompanhado por uma série de pessoas, tudo devidamente filmado e fotografado.

Depois de visitar todos os pontos do sítio, fomos brindados com um delicioso almoço, com quitutes da culinária local. A alma estava alimentada, mas o corpo ainda não, não perdemos tempo e devoramos aquela iguaria, fechando a conta com uma bebida local que ajudava na digestão.

No outro dia tivemos a grande alegria de ver a enorme repercussão dos trabalhos nas bancas de jornais e nas TVs nacionais. Mais do que isso, a TV Latina, uma das principais do Peru fez uma matéria especial a partir da reconstrução facial. O material composto por eles (agradeço imensamente ao repórter Jesus Noriega) abordou os nossos trabalhos e deu uma ênfase tremenda ao turismo da região, ao mostrar as belezas naturais e as qualidades do seu povo caloroso. Ao total foram 17 minutos de vídeo transmitidos para todo o país! Além dessa reportagem, a imprensa local me pediu para gravar uma mensagem em português convidando os brasileiros a visitarem o belo sítio.

A estátua do Senhor de Sipán

A reconstrução facial do Senhor de Sipán foi um trabalho iniciado em 2016, também em parceria com a Universidade Inca Garcilaso de la Vega, a EBRAFOL e o Museu Tumbas Reales de Sipán. Naquele ano revelamos a face digitalmente e o evento se tornou notícia no mundo inteiro, sendo propagado em 27 idiomas!

O fechamento desse projeto se deu em grande estilo, com a impressão do busto pelo CTI Renato Archer e a pintura da peça pelas mãos habilidosas da artista Mari Bueno, premiada pintora brasileira, cujo as obras foram tema de mostras no Brasil e em outros países.

Diferente do evento de 2016 que se deu em Lima, esse foi realizado em Lambayeque, mais precisamente no sítio arqueológico onde encontraram o corpo do Señor de Sipán. Além da presença do Dr. Walter Alva, o arqueólogo que o descobriu, abrilhantou a festa o Ministro da Cultura do Peru, Salvador del Solar, um ex-ator muito querido pela população, cujo a gestão tem altos índices de aprovação, em face do histórico fomento à cultura.

Fiquei muito feliz, pois a minha presença e a do Dr. Eduardo Ugaz Burga, paz decano na Universidade Garcilaso foi informada durante a cerimônia e coisa não parou por aí. Logo após a revelação do busto, eu e a universidade fomos agraciados com uma honraria oferecida pelo Governo Regional de Lambayeque.

A exemplo de K’anamarka, no outro dia os jornais e TVs estampavam a apresentação da estátua do Senhor de Sipán.

Conclusão

Estou meio cansado de falar sobre isso, mas o trabalho de pesquisa é quase sempre uma atividade que acontece longe do conhecimento do grande público e dos holofotes da imprensa. No entanto, quando esse trabalho é reconhecido o sentimento de gratidão extrapola os limites do corpo e do sorriso. Sinto-me honrado por fomentar o turismo de uma região e, de certa forma, causar notoriedade aos locais por onde apresento as faces. A alegria da conquista só é maculada, pela saudade ao me distanciar dos grandes amigos que vou angariando nessas viagens.


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