Nos caminhos de Santo Antônio

Clipping de matérias veiculadas na TV feito para apresentação em palestras

Caro leitor,

Seguindo o padrão do último post, publicarei aqui os textos apresentados na coluna Diário de Blender do 02 a 26 de julho de 2014 no Jornal Capital de Sinop-MT. Diferentemente dos outros materiais escritos sobre a reconstrução de Santo Antônio, esse conjunto de histórias tratam de um ponto de vista mais pessoal. Um documento das minhas impressões diante de todo o turbilhão de sentimentos e eventos ocorridos antes e depois de eu viajar para a Itália em junho desse ano. A aparição no programa Fantástico da Globo, a impressão 3D do busto, o retoque com pintura clássica, a ida para a Itália, a noite da apresentação da reconstrução, a repercussão dos trabalhos e por fim o lado não muito feliz da história, onde ocorreram quadros de racismo e má fé diante de um projeto fundamentado na parceria com instituições tecnológicas e o uso massivo de software livre.

Agradeço desde já a sua visita e desejo-lhe uma boa leitura!

IMG_0001_PQApresentação

Caro leitor, é com muita alegria que retorno ao quadro de colaboradores desse jornal. Estive ausente por quase dois meses às voltas com a apresentação do “verdadeiro” rosto de Santo Antônio, um trabalho de aproximação facial desenvolvido em parceria com equipes de arqueologia e antropologia italianas e instituições de ensino e tecnologia brasileiras.

Nesse tempo se ausência passei por momentos de alegria e tensão, de honra e de temor. Vi minha carreira deslanchar no quesito notoriedade e ao mesmo tempo aprendi importantes lições de humildade e respeito pelo próximo e pelas escolhas deste. Foi um turbilhão de sentimentos e acontecimentos que embora inicialmente desordenados, acabaram agindo positivamente na minha mente e espero poder compartilhar os tópicos principais com você que acompanha essa publicação. Além dos fatos psicológicos, buscarei explanar os detalhes históricos do ocorrido, coisa que pouco foi documentado nas dezenas de reportagens impressas e televisivas cujo a nossa equipe participou.

Iniciarei a narrativa justamente “de onde parei”, ou seja, no momento em que fechamos a coluna Diário de Blender deste jornal, para que eu pudesse me preparar para a viagem, organizando o conteúdo a ser apresentado, gerenciando a ansiedade, fortalecendo parcerias e criando outras novas, como aquela que firmamos com a Mari Bueno, artista plástica tão conhecida dos sinopenses. Em seguida abordarei a viagem, a chegada na Itália (em Pádua), a receptividade do pessoal de lá e também alguns fatos curiosos que permearam a minha estada na terra de onde vieram os meus bisavôs. Os preparativos para as aulas, o boom provocado por uma entrevista veiculada em um programa conhecido dos brasileiros, a grande noite da apresentação… as dificuldades de falar um idioma que não domino (optei por usar o italiano) e por fim a minha volta para a Brasil, a repercussão desse projeto por aqui e a apresentação de Santo Antônio na Catedral de Sinop, um evento que me encheu de orgulho e honra, aliás não apenas à minha pessoa, mas a todos que compõe a equipe de trabalho.

A experiência foi fantástica e de fato mexeu comigo. Por dias depois da minha volta eu sonhava que ainda estava na Itália, sonhava que explanava ao público detalhe por detalhe de como foi feita a reconstrução daquela figura tão importante não apenas para a Igreja Católica mas para a história como um todo. Revia e revivia os momentos em que próximo da Basílica do Santo eu mirava para centenas e centenas de pessoas indo atrás de um milagre tendo consigo apenas a esperança e nada mais. É difícil não se compadecer com essa situação e sentir a responsabilidade de tratar com respeito a face de uma personalidade venerada por eles.

Em uma das matérias veiculadas por uma TV italiana foi dito que uma das 15.000 pessoas que visitaram o busto impresso em 3D e que escreveu suas impressões no livro de visitas do Museu da Devoção Popular da Basílica do Santo declarou o seguinte: “Procuramos um mito, encontramos um homem”. Essa frase resume bem o que representou o projeto. Quando trabalhamos nós reconstruímos um homem, não um mito e justamente o fato de mostrarmos a sua face causou uma aproximação inesperada com muitos fiéis que de certa forma se viram naquela venerada pessoa. Não apenas os ascéticos se regozijaram, mas aqueles que apreciam a ciência também, pois a aproximação fora feita sem viés psicológico ou religioso, foi um trabalho fundamentado no respeito as metodologias e que teve a boa sorte de ver tantas linhas de pensamento que usualmente entram em rota de colisão, conviverem em paz e respeito mútuo.

Nos vemos na próxima edição.

0002_imgÉ Fantástico!

No dia 18 de fevereiro desse ano recebi um e-mail do produtor do Fantástico, conhecido programa dominical brasileiro. Nele eu fora informado do interesse deles em fazer uma matéria acerca da reconstrução facial de Santo Antônio contando os detalhes da modelagem e da impressão do busto. A ideia surgiu por conta de uma entrevista ao vivo que eu cedi ao canal Globo News, durante a Campus Party, e também de uma sugestão de pauta feita por um antigo integrante da equipe, cujo o irmão assistiu a uma de minhas atividades no mesmo evento.

Em abril eu viajei a São Paulo para fazer as gravações. Aproveitei o a oportunidade e ministrei um workshop na casa da Profa. Dra. Maria Elizete Kunkel, onde se fizeram presente alguns alunos e interessados na metodologia. Esse episódio até rendeu uma coluna aqui no Diário de Blender intitulada “Domingo de nerd” (Jornal Capital, quarta, 26 de Março de 2014).

O que pouca gente sabe é que na véspera das gravações, eu fiquei bastante tenso, tanto que desenvolvi um quadro de Disfunção da Articulação Temporo-Mandibular (DTM), que grosso modo, é uma dor terrível próximo ao ouvido quando se mastiga ou movimenta-se a mandíbula. Imagine você, ir gravar para um programa que faz parte da sua história, que de certa forma é um patrimônio nacional, que é conhecido por todas as faixas etárias e que ainda hoje conta com uma audiência invejável, eu diria até que é a atração mais popular da TV brasileira. A responsabilidade era realmente grande, ainda mais por conta do assunto, que englobava religião, terreno que eu pouco compreendo.

Chegado o grande dia fui ao Centro de Tecnologia Renato Archer, o CTI, onde a Divisão de Tecnologias Tridimensionais já estava preparada para receber os integrantes da EPTV (Globo de Campinas) que fariam as gravações. No primeiro dia o grupo era capitaneado pelo repórter Paulo Gonçalves e o repórter cinematográfico Toni Mendes. Munidos de uma grande experiência e de um carisma sem igual, eles conduziram os trabalhos com maestria e nos deixou a todos bem tranquilos frente aquele monte de equipamentos onde câmeras e difusores de luz despontavam como uma floresta tecnológica em meio a impressoras 3D, crânios e painéis científicos.

No total a equipe gravou por quatro ou cinco dias em Campinas, São Paulo e outra cidade que agora não me recordo o nome. Participaram da gravação em Campinas o Dr. Jorge Vicente Lopes da Silva, que falou algumas palavras sobre o projeto e o especialista em impressão 3D Marcelo Oliveira, que na imagem que ilustra a coluna me entrega o busto do santo. Em São Paulo, nas dependências do OFLAB-USP, falaram o Dr. Paulo Miamoto e o Dr. Rodolfo Melani. O cuidado com a iluminação e o som foram imensos. Os takes infindáveis e o texto repassado a todo o momento para que não houvesse dúvida de como a história havia acontecido.

A minha vontade de compartilhar a novidade era grande, mas em face das possibilidades de alguma coisa dar errada e a pauta cair, fiquei em silêncio sobre a data que fora estipulada para a apresentação da matéria, 8 de junho de 2014. Ao fazer um curso de Media Trainning com o jornalista Luciano Vendrame, fiquei a par de uma série de situações que orbitam o dia a dia do departamento de jornalismo de uma emissora. Ele me disse que com o advento da Copa do Mundo havia uma grande chance de suprimirem a matéria e ainda por cima, poderia surgir um factual mais forte, como uma notícia exclusiva que colocaria em segundo plano a apresentação da reconstrução do santo, tirando-a da grade.

Os dias foram passando até que fui à Itália. Por conta do fuso horário a matéria passaria lá mais ou menos 2:00 h da manhã do dia 9. Durante a minha estada naquele país, eu acompanhava o site do Fantástico, esperando que postassem alguma coisa sobre a bendita reconstrução… mas nada, a espera era em vão. Os dias passavam e a ansiedade aumentava, parecia certo que a pauta cairia. Em face dessa situação eu nada alardeava em minhas redes sociais, deixando a possibilidade da matéria em segredo.

Dia 8, madrugada do dia 9… lá estava eu na frente do notebook. Depois de pesquisar, achei uma forma de assistir a Rede Globo lá da Itália pela internet. Uma gambiarra daquelas, mas que parecia dar certo. O problema é que a transmissão era interrompida constantemente. De outro lado estava o Dr. Miamoto, assistindo ao Fantástico e conversando comigo via chat. Eu pensei em escrever “–é teeeeetra!–” em alusão ao grito do Galvão Bueno na Copa de 94, caso a matéria fosse apresentada e mandaria a mensagem ao meu parceiro de pesquisas, como forma de comemoração.

O Fantástico começou, passou uma, duas três matérias e nada da “nossa”. Com duas janelas abertas na tela do notebook, de um lado a transmissão do programa ao vivo e de outra o site oficial, eu acompanhava quase roendo as unhas o andamento das coisas. Mais matérias e nadica de nada… até que a transmissão foi interrompida de um lado. Tentei atualizar, mas ela permanecia fora do ar. Passei a atualizar as duas janelas e de repente apareceu uma notícia falando algo do santo no site no Fantástico, mas não era sobre a reconstrução e sim sobre um papertoy (papel que se recorta para montar uma figura em 3D). Quando fui perguntar ao Dr. Miamoto o que era aquilo e se tinha aparecido algo na TV, fui surpreendido pela seguinte frase no comunicador:

– Ééééééé teeeeeeeetra!!! Está passando a matéria. É teeeeeeetra!

Coincidentemente ele havia escolhido a mesma comemoração, mas não deu nem tempo nem para rir. Voltei à página da transmissão ao vivo e comecei a atualizar efusivamente. Até que o vídeo apareceu, com a minha imagem falando alguma coisa já nos “finalmentes”, logo em seguida uma série de senhoras observaram o santo e terminou a matéria. Lá estava eu sozinho, do outro lado do mundo, comemorando feliz da vida aquele fato inesquecível. Não importava o que tivesse aparecido no Fantástico, dois minutos ou um segundo, a honra era imensurável e inefável.

Ao voltar para procurar um link que eu pudesse compartilhar, abri o Facebook. Um dois, dez, cem, duzentos, recebi tantas mensagens em tão pouco tempo que não pude mais respondê-las. 70% delas me parabenizando e 30% me parabenizando com reclamações por eu não ter avisado ninguém.

Nem precisei procurar um vídeo, comecei a receber os links diretamente no meu perfil com a matéria. Mensagens de amigos, de desconhecidos e de pessoas que há muito eu não via e falava. Fiquei bastante ansioso e um tanto triste por não estar próximo da família, do amor e dos amigos para poder comemorar. Abri uma cerveja italiana e degustei-a pleno de alegria, era uma vitória. “É tetra! É tetra!”, a cada gole um sorriso e uma olhada para o teto. Era impossível não se sentir orgulhoso e plenamente contente. Ao ver a matéria, percebi que ela fora bastante suprimida em relação aos planos iniciais, muitas pessoas que falaram acabaram não aparecendo. Imaginei que elas ficariam chateadas, mas depois vi que isso não ocorreu… o importante era o trabalho aparecer. O importante foi que o pessoal do Fantástico cumpriu com a palavra e foi perfeito no planejamento, feito com tanta antecedência.

Fiquei ainda três dias na Itália. Dias de fortes emoções, mas também de alegria e de sentimento de dever cumprido. Me desculpe a frase batida querido leitor, mas foi maravilhoso participar daquelas filmagens, foi simplesmente fantástico!

IMG_003_PQA impressão 3D

Sem dúvida alguma o ponto alto do projeto da reconstrução facial de Santo Antônio foi a materialização do busto. Não estou de forma alguma desmerecendo as outras etapas, até por que eu participei efetivamente delas… o fato é que hoje em dia o povo só pensa naquilo… impressão 3D. Basta ver a cobertura que a imprensa reserva para essa tecnologia, não apenas explanando como funciona o processo, mas também devaneando exacerbadamente nas possibilidades futuras, como por exemplo imprimir comida ou tecidos humanos (pensando bem, talvez não seja um devaneio tão torto assim).

Trata-se de um campo simplesmente fantástico e pleno de possibilidades, mas como tudo na vida as coisas não são tão simples como parecem. Ajustar o busto para que fosse “imprimível” consumiu um tempo considerável e cobrou da equipe muita atenção nos detalhes e troca constante de informações.

A história começa quando entrei em contato com o pessoal do Centro de Tecnologia Renato Archer (CTI Campinas) e pedi a eles se havia interesse da instituição em participar do projeto. Nossa parceria já vem de longa data e constantemente compartilhamos informações relacionadas a tecnologia 3D aplicada a medicina e a radiologia. O projeto “Il Volto del Santo” trazia em sua estrutura uma ampla gama de tecnologia que contemplava os mais variados campos e isso com certeza se converteria em ganhos intelectuais e tecnológicos para todas as partes. Parece improvável, mas muito do que descobrimos e desenvolvemos no decorrer daqueles meses de parceria pode e será usado até para a confecção de próteses e órteses, tanto para seres humanos quanto para outros animais… mas isso é assunto para outra fase dessa coluna.

Fiquei extremamente feliz quando eles toparam participar da empreitada. Eu nunca havia visto um trabalho ao qual participei ser impresso em 3D colorido. É quase surreal imaginar que um objeto feito virtualmente, um emaranhado binário que habita o mundo digital pode se converter em algo físico e sólido.

Quando fiz a proposta para o CTI a face do Santo já estava modelada e na reta final da configuração dos cabelos, barba e roupas. Uma pessoa que nunca trabalhou com essa tecnologia, a de impressão 3D, imagina que basta enviar o arquivo tridimensional para a impressora que ela se encarrega do resto do serviço. Infelizmente não é assim, algumas adaptações são necessárias para que o algoritmo que cria as fatias seja bem sucedido nessa tarefa.

Fatias? Isso mesmo… imagine um pão caseiro… daqueles bem bonitos, que são cilindrados e que ficam enormes e saborosos. Para degustá-los nós precisamos cortá-los em fatias. Uma a uma até devorarmos essa iguaria completamente. Pois bem, grosso modo, a impressão 3D faz o processo contrário… se fosse para imprimir um pão, ela criaria uma por uma das fatias até completar a forma daquele. Mas nesse caso, cada uma delas tem a espessura de uma folha de sulfite. Para compor o busto do Santo foram necessárias nada mais nada menos do que 1536 fatias! O processo demorou 10 horas para ser completado.

A impressora depositava uma fina camada de pó e quase imediatamente criava uma área rígida compatível com a geometria do objeto naquela altura. Quando a impressão foi finalizada o que víamos era um recipiente cheio de pó branco. Para revelar o busto que estava lá dentro, composto pelas 1536 camadas de material enrijecido foi necessário extrair o pó com o auxílio de um aspirador. Depois a cabeça seguiu para um forno, foi aquecida a 65 graus por alguns minutos e por fim recebeu uma camada de resina por dentro e por fora. Isso foi feito para aumentar a resistência do material e tornar as cores mais vivas.

Eu acompanhei o processo e posso dizer uma coisa, ao pegar o busto nas mãos senti uma alegria única. Primeiro comportei-me como uma criança que ganha um brinquedo, depois como um pai que observa o filho, babando sem parar e quase sem piscar. Creio que passei mais tempo curtindo os mínimos detalhes do busto impresso do que aquele que levei para modelá-lo, tamanha era a minha alegria e admiração pela encantadora tecnologia que resgatava as formas do mundo virtual e as jogava ao mundo físico.

Não é à toa que as pessoas se encantam pela impressão 3D. Graças a parceria que firmamos com o CTI a materialização do busto foi viabilizada. Somos muito gratos a essa instituição brasileira que fez com que o projeto brilhasse a conquistasse uma grande notoriedade. Mais do que isso, possibilitou as milhares de pessoas que se colocaram frente a face do Santo a possibilidade de contemplá-la como se o indivíduo ali estivesse.

A história continua e justamente com o elemento que faltava ao nosso projeto, que era o brilho nos olhos do busto impresso. No próximo texto contarei em detalhes de como conquistamos isso com a presença de uma ilustre sinopense no grupo de trabalho. Até lá!

0004_img_PQO busto que foi e não voltou

Sempre digo que o maior barato do projeto “Il Volto di Sant’Antonio” foi o envolvimento de um grande número de pessoas dos mais variados campos. Ao colocar pessoas, não penas de campos mas de pontos de vistas diferentes no “mesmo espaço”, tivemos a oportunidade de praticar o respeito e a tolerância pelas variadas formas de encarar o mundo e ao mesmo tempo aprender muito com isso.

Apesar de eu me enquadrar como artista gráfico, nas atividades relacionadas a reconstrução da face de Santo Antônio eu não tive muita liberdade para colocar a minha marca em evidência, posto que se tratava de um trabalho científico. Me limitei a seguir o protocolo e reconstruir um indivíduo, como fiz com os outros crânios que apareceram na minha frente e que eu pouco sabia sobre suas histórias.

No decorrer do processo de adaptação para a impressão da face nos vimos frente a uma série de desafios. É difícil explicar os pormenores, mas um trabalho feito no meio digital é uma coisa, quando ele vai para o mundo físico e material é outra. Quando trabalhamos frente a um computador podemos alterar as cores e melhorar o aspecto da pele mexendo em botões e ver o resultado quase em tempo real… mas quando mandamos um objeto para ser impresso em 3D podemos ter algumas surpresas em relação as cores e até a forma. Isso acontece por que a projeção das cores no monitor é feita de um jeito (processo aditivo) e quando impressa é outro (processo subtrativo). No monitor temos uma luz que projeta as cores deretamente no nossos olhos, na impressão temos a luz que bate no objeto e é absorvida, muitas vezes perdendo o vigor que aparentava ter na versão digital.

No caso do busto, tivemos que fazer alguns testes antes de imprimir o modelo final. Nas primeiras impressões tivemos um pequeno problema de diferenciação de cores ao longo da face. Isso aconteceu em parte pelo tamanho do modelo. Geralmente a impressora imprimia peças menores e com um número limitado de cores, o que não é muito típico em uma face humana, rica em detalhes e em cores.

Quando voltei de Campinas, trouxe um dos bustos em tamanho real comigo. Justamente um que apresentava problema nas cores. Achei que seria um desperdício usá-lo apenas para apresentação em palestras, posto que poucas pessoas teriam acesso a ele. Um belo dia me veio uma ideia na mente. Em Sinop, como quase toda a população sabe, temos uma grande artista e que por sinal é especialista em arte sacra. Quem já teve a oportunidade de entrar na catedral da cidade sabe bem do que eu estou falando, pois lá temos um exemplo claro da capacidade que ela, a artista plástica Mari Bueno tem de encantar os olhos não apenas daqueles que tem fé, mas de qualquer um que aprecia um bom trabalho gráfico. A ideia consistia em, justamente, propor à Mari pintar sobre a face do santo, de modo a corrigir as cores e ao mesmo tempo externar o próprio estilo dando um valor mais artístico à obra.

Entrei em contato com a assessoria de imprensa da artista e consegui agendar uma reunião. Tudo correu tranquilamente e ela aceitou o desafio. Ficamos muito contentes com a entrada dela no time e mais contentes ainda pela prontidão em começar com os trabalhos. Depois de duas semanas o busto estava pronto, lindamente colorido e com os olhos mais vivos do que nunca, dava gosto admirar aquele face. O mais interessante é que mal deu tempo de secar e lá estava eu embalando a peça com plástico bolha e embarcando para a Itália, com ela em uma das malas.

O plano inicial era da peça ir para Pádua, ser abençoada e voltar para Sinop onde seria exposta na catedral. Mas algo começou a acontecer logo nas primeiras demonstrações aos integrantes italianos da equipe… todos se encantaram pela versão pintada, isso nos obrigou a fazer uma reunião no dia 06 de junho, no Museu de Antropologia da Universidade de Pádua, para definir qual das duas peças ficaria na Itália. Se a versão pintada pela Mari Bueno ou a impressa em 3D colorido sem a pintura. Compareceram o arqueólogo Luca Bezzi, a historiadora Emma Varotto, a repórter do Messaggero di Sant’Antonio a sra. Giulia Cananzi, o curador do museu o Dr. Nicola Carrara, eu e o padre Luciano Bertazzo do Centro de Estudos Antonianos. Nem preciso dizer que todos optaram pela versão pintada pelas mãos da artista sinopense. O padre Luciano, que tinha a palavra final, inicialmente até pendeu para a versão impressa a cores, mas depois de ver como ela reagiu à luz que iluminaria a peça na mostra, acabou engrossando o caldo do time dos que optaram pela versão retocada, para a alegria geral dos participantes e por que não… da nossa cidade!

Falarei da noite da apresentação em outra oportunidade, mas deixo aqui outro fato curioso que ocorreu depois do meu retorno a Sinop. O busto, como vocês também acompanharão mais a frente, foi apresentado na catedral da cidade na noite do dia 13 e depois ficou exposto em um estande na Exponop. Inexplicavelmente o busto que tivera uma impressão livre de falhas acabou apresentando uma mancha no lado direito da face. Algumas pessoas atribuíram a água, mas quase com certeza não fora esse líquido que provocou a mancha. Evidentemente existem explicações para o fato, eu prefiro usar uma frase que ilustra o momento com ar de poesia. Assim que viu a mancha, um rapaz que estava próximo inquiriu-me sobre o fato, ao que respondi:

-Não sei o que aconteceu, mas se eu fosse um ascético afirmaria que o Santo está pedindo para ser pintado.

A coluna termina aqui, mas o nosso agradecimento à artista Mari Bueno certamente não. Ao trabalhar naquela peça ela a tornou mais bela, a tornou única… os traços que lá ficaram nunca mais se repetirão. Nada mais humano do que isso e nada mais interessante pois ao mesmo tempo que resgata a história da arte, também contempla a tecnologia e a fé, principalmente das milhares de pessoas que olharão o santo. Poucas imaginam como tudo foi feito, mas nós daqui sabemos e nos orgulhamos de que aquela é sim, uma obra genuinamente sinopense!

0005_img_PQDo Brasil à Itália

Foi emocionante desde o começo. Peguei um voo que ia de Cuiabá a Milão, com conexão em São Paulo. Cheguei em sampa as 6:30 da manhã e lá estava o meu parceiro de pesquisas, o Dr. Miamoto me esperando, para que participássemos de uma série de reuniões. As 20:30 eu deveria estar de volta ao aeroporto para o voo internacional. Inicialmente tudo corria tranquilamente, mas por conta de um engarrafamento eu quase perdi a hora e mesmo saindo cedo nós demoramos mais de duas horas e meia para chegar ao aeroporto de Guarulhos! Sorte minha que era só embarcar, pois só deu tempo para isso.

Durante a minha estada em São Paulo pude conversar com várias pessoas e receber o apoio delas, principalmente do Dr. Miamoto, que inclusive fez parte de seu doutorado na Europa. Diante do meu visível nervosismo frente a primeira viagem internacional ele me disse que tudo ficaria bem e que o grupo de pesquisas confiava em minha pessoa e que o esforço que eu estava fazendo seria recompensado com a amabilidade típica dos italianos.

Durante as 11 horas de voo eu pouco dormi. Só pensava na Itália, em como seriam as coisas por lá. Eu estava sozinho indo para um país com idioma e “cabeça” diferente. A cada hora que reduzia o espaço entre aqui e lá, aumentava a ansiedade e a sorte de temores. Cheguei à Milão bem cedinho, no dia 04 de junho. Contemplar aquele horizonte depois de mergulhar nas nuvens foi uma experiência incrível… lá estava eu na terra nos meus bisavôs.

Assim que desembarquei me encontrei com o arqueólogo Luca Bezzi, foi bastante interessante vê-lo ali em carne e osso, depois de anos conversando apenas via texto pela internet. Como sempre digo, são sinais dos novos tempos. Pegamos o carro e partimos para Pádua.

Durante o percurso conversamos bastante, inicialmente em inglês, mas pedi a ele que falasse em italiano. Onde já se viu, não perderia a chance de praticar esse idioma que eu amo! Comecei timidamente, mas ao passo de algumas horas já ríamos um bocado das piadas de um e de outro lado. Isso cooperou grandemente com o meu processo de tranquilização.

Chegamos em Pádua, uma cidade linda e com muitas construções mais velhas que o Brasil. Parecia outro mundo, e um dos assuntos recorrentes que tive com os italianos foi justamente o fato de eu morar em uma cidade com 40 anos e 120 mil habitantes, para eles algo quase inacreditável!

Na bela e antiga cidade nos encontramos com o Dr. Nicola Carrara, curador do Museu de Antropologia da Universidade de Pádua. Diante das calorosas palavras de boas vindas fiquei ainda mais tranquilo. Jantamos uma deliciosa pizza regada a cerveja Nastra Azzuro. Horas depois, entorpecido pela “birra” e pela felicidade de estar na Itália, segui para o alojamento que eu ficaria durante os dias vindouros.

Conheci muitas outras pessoas sempre arriscando um italiano sofrível, que aos poucos se converteu em algo aceitável. Como a cidade é pequena, aproveitei para andar de um lado para o outro e conhecê-la um pouco melhor. Tive a oportunidade de entrar na Basílica do Santo, onde está o corpo de Santo Antônio. Uma guia nos conduziu e explicou um por um dos espaços e obras. Também nos mostrou as instalações do Centro de Estudos Antonianos e o Museu da Devoção Popular, ambos funcionando dentro da Basílica.

Pouco depois, ministrei uma aula em uma das salas de universidade mais antigas do mundo, próxima ao Orto Botânico de Pádua. Eu, o Dr. Carrara e Luca Bezzi apresentamos os resultados de estudos preliminares que contemplavam a mostra que apresentaremos em 2015 e cujo o busto de Santo Antônio é uma das peças que a integra.

Outro fato curioso. Quem acompanha essa coluna deve ter visto o 12º texto que compus para o Diário de Blender. Tratava-se de uma múmia que se encontra em Malta, da qual recebi a incumbência de reconstruir a face. Pois bem, e não é que havia uma delegação de Malta na aula que ministramos! Justamente as pessoas que me contataram para tal serviço foram daquele país até a Itália especialmente para assistir as atividades e me conhecerem pessoalmente. A delegação era composta pela Dra. Claire Baluci, pela artista Nikki Weaving Baluci e pela Dra. Jackie Micallef Grimaud, todas do Museu Heritage Malta. Honra é um sentimento pequeno perto do meu estado de espírito naquele momento.

Nesse ínterim o nervosismo relacionado a ida para um país distante já estava dominado, mas outro quadro de ansiedade principiou a tomar conta desse que vos escreve. O dia 10, o grande dia da apresentação do busto de Santo Antônio se aproximava e a plateia não seria composta apenas por pessoas tolerantes a minha falta de destreza gramatical com o italiano e também aos modos exóticos de um brasileiro perdido por aquelas paragens.

IMG_006_PQA grande noite.

Companheiro inseparável, até mais do que os integrantes do grupo de pesquisas arqueológicas e antropológicas, o nervosismo, esse sentimento inoportuno e constrangedor esteve presente em menor e maior grau durante toda a minha estada na Itália. Com a proximidade da noite da apresentação oficial da face do Santo ele só tendia a aumentar.

Para evitar maiores surpresas eu havia escrito o discurso um mês antes do evento e traduzido ele em italiano com a ajuda de meus parceiros de pesquisas do Brasil (português-inglês) e da Itália (inglês-italiano). Todos os dias aproveitava para decorar um pedaço do texto tendo inclusive melhorado algumas passagens depois que entrei em contato prático com aquele idioma. Na véspera o Dr. Nicola Carrara do Museu de Antropologia incumbiu a historiadora Emma Varotto para ser a espectadora de minha apresentação, de modo que eu treinasse o texto, aumentando a confiança e reduzindo as possibilidades de eventualmente cometer alguma gafe. Digo isso por que depois do naufrágio do Costa Concordia o palavrão italiano “cazzo” ficou relativamente conhecido aqui no Brasil e eu tomei o péssimo hábito de falá-lo eventualmente. Durante os estudos eu soltei alguns e a cada um deles a sra. Emma dava um pulo da cadeira e dizia: No, cazzo no!

Com o discurso devidamente repassado e sem a famigerada palavra, me vi pronto para ir ao Centro Culturale Altinate | San Gaetano. A apresentação seria feita as 20:45 e sequer imaginava o que iria encontrar pela frente. O temor principal residia no fato de eu nunca ter palestrado para uma plateia formada por pessoas fortemente religiosas, situação agravada pelo fato de ser executada em italiano, um idioma que não domino. Ainda que o discurso estivesse bem estruturado, ninguém garantia que eu o seguiria a risca e pior ainda, que alguém fizesse uma pergunta constrangedora ou mesmo que me desse um branco e o nervosismo me impossibilitasse de continuar lendo, cobrando um jogo de cintura impossível de ser realizado.

Ao chegar no auditório fiquei surpreso com o grande número de pessoas. Cumprimentei os meus amigos, todos ansiosos com toda aquela notoriedade espontânea. De cara já fui “intimado” a dar uma entrevista para um canal regional e diante daquela oportunidade aproveitei para treinar o meu italiano fuleiro e aumentar a confiança. Ao assistir hoje a dita entrevista, sou tomado por uma vergonha indescritível, pois acabei confundindo um termo… o que não foi de todo catastrófico, pois no frigir dos ovos acabou fazendo algum sentido.

Assim que bateram as 20:45 já estávamos sentados e prontos para falar ao público. A mesa era composta pelo padre Luciano Bertazzo (Centro Studi Antoni), a jornalista Giulia Cananzi (Il Messaggero di Sant’Antonio), Luca Bezzi (Arc-Team Archaeology), este que vos escreve e ainda a participação inicial do padre Enzo Poiana, reitor da Basílica do Santo.

Com a proximidade da minha vez de falar, um medo ancestral me dava a ideia de sair correndo de lá enquanto era tempo. Decidi ignorá-lo, até porque tecnicamente não havia muito a ser feito, a tensão maior já estava dispersada e se eu passasse alguma vergonha lá, seria rápida e não eterna como aquela vivida por um maluco que foge no momento menos oportuno.

A grande hora da grande noite chegou e eu falei, falei e falei. Até brinquei um pouco usando o limitadíssimo repertório de piadas que dispunha. Não pronunciei “cazzo” e o mais importante, explanei o passo-a-passo de como efetivei a reconstrução facial de Santo Antônio, aquela figura tão querido por todos. Fui respeitoso e ao mesmo tempo franco. Comecei lembrando dos meus bisavôs que vieram de lá, falei do recebimento do crânio, da modelagem dos músculos e colocação da pele até que chegou o momento de mostrar o rosto digital finalizado. Assim que troquei o slide, me vi diante de uma chuva de palmas e flashes, tendo que interromper a apresentação para satisfazer os anseios da turba de repórteres que lá se encontrava.

Continuei com a apresentação falando sobre a impressão 3D. Ao mostrar as peças foi flagrante a curiosidade do público traduzido por mais palmas e flashes. O ponto alto se deu na hora de revelar a impressão 3D retocada pela artista sinopense Mari Bueno. O busto estava oculto por um tecido e no momento da revelação tive de interromper mais uma vez a apresentação, mas dessa vez por um tempo maior. Quase fiquei cego diante de tanta luz adentrando os meus olhos, pelos mais diversos ângulos, disparadas por máquinas digitais de todos os tipos e dimensões. Muitas pessoas se levantaram e uma por uma solicitaram que nos aproximássemos dos bustos para novas fotos sempre procurando o melhor clique.

Depois de um quarto de hora, voltei para agradecer a todos pela presença e passei a palavra ao outro integrante da mesa. Assim que terminamos as explanações, abriram para perguntas e terminadas aquelas foram feitos os agradecimentos e finalizada a apresentação. “Aí sim” que o povo veio, ávido pelas melhores fotos, metralhando flashes novamente e educadamente nos agradecendo e congratulando pela apresentação. Além de duas brasileiras que eu já sabiam estarem por lá, conheci dois irmãos, um moço e uma moça, que estavam em Pádua para estudar. Ambos extremamente felizes por verem um conterrâneo participando do projeto.

Era visível a alegria e o alívio dos outros integrantes da mesa ao ver que tudo dera certo. Era imensa a minha honra por ter participado daquele momento inesquecível. Dormi muito pouco naquela noite, em parte por que efetivamente estava vivendo um sonho, em parte por que não queria que aquele dia terminasse. A memória e a atenção estavam comprometidas em reviver cada segundo daquela noite feliz. É evidente que aconteceram imprevistos, que cometi pequenos deslizes e gafes, que algumas pessoas da plateia levantaram pontos polêmicos ao fazer as perguntas… mas nada que fugisse ao normal de um evento dessas proporções. Foi tudo lindo.

Ainda naquela noite entrei na internet para enviar notícias ao Brasil e ver se nossa apresentação tivera alguma repercussão. O que apareceu frente aos meus olhos já naquela noite e nos dias seguintes foi surpreendente, tanto que renderá um espaço só para abordar esse assunto na próxima edição. Nos vemos lá!

IMG_007_PQRepercussão

Caro leitor, excepcionalmente hoje deixarei uma imagem falar mais do que as mil palavras que me são reservadas nessa coluna. Segue um compacto com notícias veiculadas no Brasil e no mundo sobre a reconstrução facial de Santo Antônio.

Documento atualizado com todos os links de notícias que consegui catalogar até o momento: https://docs.google.com/document/d/1hRWfCO_PpgjmQmNHLC_3kBCjqlJmXRmkcLJFkcu2Sww/edit?usp=sharing

Até a próxima!

IMG_008_PQA Volta para Sinop

Voltei ao Brasil no dia 12 de junho. Esperei meu voo para Sinop no aeroporto de Cuiabá e assisti por lá mesmo o jogo da seleção brasileira, na verdade vi alguns flashes, pois aproveitei o tempo da conexão para responder a uma montanha de e-mail. De futebol eu já estava cheio… passei por São Paulo, Brasília e Cuiabá escutando gritos de Chi-chi-chi-lê-lê-lê a plenos pulmões. No princípio até gostei daquela demonstração de patriotismo, mas depois da quinquagésima vez que cantaram a minha paciência estava bem longe, lá no Chile.

Cheguei na minha querida cidade ainda pela noite, exausto física e mentalmente. Pensei apenas em descansar, pois no outro dia participaria da apresentação do busto na Catedral de Sinop.

A apresentação do busto de Santo Antônio foi um evento combinado com bastante antecedência. Semanas antes de eu partir para a Itália além de ter levantado a feliz ideia de propor à Mari Bueno que retocasse a face do Santo, também propus à assessoria de imprensa que falássemos com o bispo da diocese, Dom Gentil Delazari acerca da possibilidade de deixarmos a obra exposta em uma das igrejas da cidade. Agendada a reunião fui com o dr. Viro Ludwig até a Mitra Diocesana para conversar com o bispo. Fiquei feliz que o sr. Viro tenha aceitado me acompanhar, pois na companhia de um católico conhecedor dos ritos e da própria pessoa a qual conversaríamos, imaginei que o evento poderia ser mais tranquilo do que eu ir sozinho. Quem me conhece sabe que não sou religioso, mas respeito muito a sensibilidade das pessoas e os protocolos que envolvem o encontro delas.

Dom Gentil Delazari adentrou a sala de reuniões já sorrindo, cumprimentando-nos e criando o ar de tranquilidade. Fui apresentado e a palavra me foi passada. Expliquei a ele o projeto por alto e a nossa intenção de doar um busto à Diocese de Sinop. Assim que terminei, o bispo iniciou com essa frase:

– Meu jovem, veja bem…

Aquilo me assustou um pouco. Imaginei que depois daquelas palavras outras viriam e seriam bastante severas. De reprovação diante do uso da imagem de um santo tão venerado!

Felizmente eu me equivoquei e o que se segui fora um diálogo extremamente agradável onde Dom Gentil além de abordar tópicos inerentes ao Santo e sua relação com a cidade, também se mostrou conhecedor da história da reconstrução e pontuou uma série de conceitos relacionados a importância do resgate da face daquele homem que diante dele se fazia estático, cristalizado em uma impressão 3D. Combinamos que aquela peça seria apresentada no dia 13 de junho de 2014 assim que eu voltasse da Itália.

Não deu nem tempo de descansar e o dia chegou. Durante a tarde preparamos o Santo sobre uma estrutura e com a vestimenta já fixada para que não tivéssemos nenhuma surpresa mais tarde, pois segundo a artista plástica Mari Bueno, conhecedora dos protocolos católicos, eu teria de levar o Santo nos braços durante uma parte da cerimônia.

Na hora combinada cheguei à Catedral acompanhado da noiva, pleno de nervosismo e alegria diante daquela oportunidade de fazer parte da história da minha cidade, reconstruindo uma face que esteve com ela desde os primeiros dias de “vida”, sendo Santo Antônio o padroeiro de Sinop.

Vendo que eu estava inseguro sobre o que fazer, Mari me tranquilizou aos poucos explicando os significados dos ritos e auxiliando eu e a noiva no decorrer da cerimônia. Um fato me chamou a atenção durante a missa. O busto do Santo ficou sobre uma mesa ao centro da Catedral, com acesso aos fiéis que se faziam presentes. Primeiro um, depois outro e mais outros se aproximaram da impressão 3D portando um lenço que fora distribuído pelos organizadores. Eles tocaram a face do santo com o lenço como que para prender um pouco de sua aura e aquilo parecia lhes fazer muito bem. Entre um fiel e outro apareciam crianças curiosas que com passos tímidos também se aproximavam do Santo, olhavam para os lados e tocavam a sua face com a ponta dos dedos, talvez para ver se ali havia um sopro de vida. Algumas até ensaiaram um breve diálogo, mas diante do olhar compenetrado e inerte da figura elas se retiravam passo a passo, olhando de quando em quando até se perderem no meio da multidão.

Quando o bispo anunciou, nos colocamos em nossos lugares, a Mari tomou nas mãos uma tela pintada por ela e eu o busto do Santo. Caminhamos até o altar portando nossos trabalhos e passo a passo pude ver o semblante dos presentes mirando aquela reconstrução e tentando não apenas compreender o que fora feito, mas também resgatar um pouco de significado a partir daquela obra da tecnologia moderna.

Depois de feitas as apresentações, nos foi dada a palavra para que eu e a Mari falássemos sobre o trabalho desenvolvido. Foi a primeira vez que ministrei uma apresentação dessas dentro de uma igreja durante uma cerimônia e como tinha gente! Ao olhar para as extremidades do salão, percebi um grande número de pessoas em pé, todos os lugares haviam sido tomados e ainda entravam outros para assistir. Santo Antônio é de fato muito querido por aqui.

Executadas as apresentações nos dirigimos ao altar, cumprimentados os sacerdotes e tiramos uma série de fotos. Dom Gentil Delazari era a alegria em pessoa, efusivo nos cumprimentos e contente com os resultados. Para ele aquele evento fora uma oportunidade de ligar as pessoas através da fé, da história e da tecnologia, para a Mari foi uma honra que remonta o passado familiar, cujo o santo esteve tão presente. Para mim foi um momento único, pois havia voltado a minha querida cidade e fora recebido de braços abertos pela comunidade desse local que habito há mais de 27 anos, que trago próximo ao coração e que é presença constante na minha memória.

Muito obrigado Sinop!

0009Até a Próxima!

Caro leitor, você já deve ter percebido pelo título que essa coluna é a última da série “Nos Caminhos de Santo Antônio”. Também deve estar se perguntando o motivo de ter uma imagem ilustrando o espaço que não aparece nem este que vos escreve e tampouco Santo Antônio, o protagonista de tudo o que fora escrito até então.

O motivo é muito simples e está relacionado com aquela frase típica de toda história que conta um ocorrido da vida real… nem tudo são flores. No caso da história da reconstrução facial do Santo, observamos alguns acontecimentos desagradáveis por conta de indivíduos que tiveram acesso as imagens. Antes de tudo, devo dizer que as palavras que escreverei não refletem no comportamento e opinião da maioria dos italianos e brasileiros, pois ambos são compostos por um povo maravilhoso. Pois bem, feita a ressalva, vamos aos fatos.

Assim que a imagem da reconstrução foi publicada nas fanpages (páginas do Facebook) dos principais jornais de Pádua, as pessoas tiveram acesso aos comentários, para falar um pouco do que pensavam acerca do rosto daquela figura histórica e religiosa. A grande maioria se apeteceu, muitos deram vivas e uns poucos porem inflamados usuários escreveram palavras de racismo e má-fé. Parece que muitos se irritaram pelo fato do Santo ter o aspecto de árabe e um pouco de negróide. Alguns chegaram ao ponto de dizer que ele tinha o aspecto de um assassino por conta disso. Outros, que ele teria que ser branco, pois era europeu e outras tantas coisas relacionadas a cor e ancestralidade que – seriam cômicas se não fossem trágicas –.

Como se já não fosse o suficiente, ainda encontramos alguns comentários falando que aquilo era uma vergonha, onde já se viu usarem o dinheiro italiano para enaltecer um santo! Como podiam gastar aquele rio de dinheiro com um assunto religioso, sendo que as faculdades da região estavam precisando de financiamento. Seria muito melhor para a humanidade investir aquilo na cura do câncer ou de outras doenças.

Diante daquele mar de incoerências decidimos nos manter em silêncio e acabei aprendendo muito com esse episódio. O mais importante foi que eu não devo falar sobre fatos dos quais desconheço a real história.

Sobre o racismo, os próprios italianos sentiram isso na pele ao irem para a os Estados Unidos e quem diria… aqui no Brasil também! Inclusive, quando eu estava na Itália, assisti a um programa da RAI que tratava justamente desse assunto. Ao abrir o primeiro bloco o apresentador leu uma carta, quem estava lá pensou que era sobre os refugiados africanos que foram capturados em barcos que iam para a Itália poucos dias atrás… mas na verdade tratava-se de um texto escrito no século XIX por americanos falando dos imigrantes italianos que se dirigiam aquela nação. Genial… aquilo desarmou muita gente.

Sobre o rio de dinheiro, primeiro não foi um rio. A tecnologia que usamos é gratuita e aberta, não gastamos um tostão com programas e o equipamento foi fornecido por nós mesmos. A impressão foi viabilizada pelo CTI, a pintura foi doada pela Mari Bueno e as passagens à Itália foram pagas do meu bolso. Na verdade, nós acabamos até, se for pensar holisticamente, gerando receita naquele país com essa história da reconstrução do Santo, basta contar o número de participantes da exposição e a repercussão que teve na mídia de lá.

Sobre usar a tecnologia para auxiliar na cura de doenças ou sofrimento humano e até de outros seres… é justamente o que estamos fazendo! A reconstrução facial do Santo englobou uma série de linhas de pesquisas que estamos estudando para trabalhar com próteses em humanos e outros animais. Justamente é aí que entra a explicação da foto que ilustra a coluna de hoje. Nela uma de nossas parceiras de pesquisa a Dra. Maria Elizete Kunkel mostra os resultados de uma metodologia de criação virtual de próteses que serão impressas em 3D posteriormente, reduzindo significativamente o tempo de ajuste do equipamento. Na ocasião ela está palestrando em um evento chamado TED, onde pessoas se reúnem para falar de assuntos relevantes e interessantes. Basta uma rápida procura pelo termo na internet para atestar esse fato.

O que digo-lhe, caro leitor é que esse projeto, o da reconstrução foi baseado na transparência de resultados, no compartilhamento de informação e na concórdia. As pessoas que dele participaram não tiveram outro pensamento senão aquele de contribuir com o próximo nos mais variados campos. Hoje finalizo a coluna, mas o projeto geral, que é uma mostra na Itália mal passou da metade, tenho dezenas de reconstruções a fazer e a retocar. Espero que esse trabalho inspire outros quadros no Diário de Blender e que sejam agradáveis e divertidos para a sua ilustre pessoa. Obrigado por acompanhar esse espaço, espero em breve retornar com novas histórias.

Até a próxima!


One thought on “Nos caminhos de Santo Antônio

  1. Varanda

    Ola Cicero, bacana voce relatar oque aconteceu por “detras das continas”. Isso mostra o quanto eh duro e trabalhoso realizar grandes objetivos pois a maioria das pessoas somente veem e julgam os resultados.

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