MakeHuman – Testes com reconstrução facial e evolução humana

Face de uma reconstrução facial se convertendo em um Australopithecus afarensis. Modelo originalmente criado no MakeHuman e posteiormente deformado no Blender com o shapekeys.
Face de uma reconstrução facial se convertendo em um Australopithecus afarensis. Modelo originalmente criado no MakeHuman e posteiormente deformado no Blender com o shapekeys. Gif animado e efeitos gerados pelo Imagemagick.

For who speaks English, please see this link: http://arc-team-open-research.blogspot.com.br/2014/07/makehuman-tests-with-facial.html

Lembro-me que no final de 2011 comprei um livro clássico de arte forense chamado Forensic Art & Illustration. Depois de estudar o processo de reconstrução facial resolvi aplicá-lo em um crânio adquirido a partir de uma tomografia e para a minha felicidade fui bem sucedido.

O ano de 2012 foi prolífico na confecção de faces e em 2013 desenvolvi, em parceria com o Dr. Paulo Miamoto uma metodologia de reconstrução baseada em modelos previamente estruturados, visando uma celeridade maior na conclusão dos trabalhos e mais do que isso, pensávamos também em propiciar a iniciantes a possibilidade de fazer suas próprias reconstruções sem a necessidade de estudar por anos até desenvolver a maestria de esculpir uma face 3D digitalmente.

Face adaptada a partir da visualização de uma foto. O objetivo era apenas definir a volumetria sem configurar barba, cabelos e acessórios.
Face adaptada a partir da visualização de uma foto. O objetivo era apenas definir a volumetria sem configurar barba, cabelos e acessórios. A face em terracota à esquerda é o modelo padrão do MakeHuman.

Mesmo com o desenvolvimento de um template pré configurado a tarefa de revelar faces a partir de crânios ainda teimava em se mostrar difícil para aqueles que estavam começando e isso nos obrigou a buscar alternativas mais acessíveis. Foi aí que apareceu o MakeHuman.

Antes de tudo é necessário que seja explanado como funciona a nossa “linha de montagem” de faces. Inicialmente eu recebo um crânio, geralmente sem muitas informações. Quando digo “recebo um crânio” na verdade trata-se ou uma tomografia ou de uma digitalização a laser. Em seguida envio o material ao Dr. Miamoto que observa-o e munido de conhecimento baseado em protocolos forenses, ele levanta o sexo, a idade e a ancestralidade do indivíduo.

INFO_Miamoto
Adaptação de face no MakeHuman usando como referência uma imagem em background.

Durante muitos meses, eu e o Dr. Miamoto fizemos horas e horas de reuniões virtuais, os chamados “hangouts” onde trocávamos informações. Ele me passava conhecimentos inerentes a odontologia legal e eu o ensinava a manipular programas de computação gráfica 3D (livres). Aos poucos ele foi se inteirando dos processos, já me entregando o crânio alinhado e com os marcadores de tecido mole (aquelas pequenas estacas ao longo da superfície do crânio que informam a espessura da pele, gordura e músculos da região).

Só o fato de ele me entregar essa etapa do trabalho pronta já acelerava consideravelmente processo. O nosso desafio passou a ser a outro passo… a modelagem básica da face. Mesmo co todo o conhecimento adquirido em computação gráfica o Dr. Miamoto se via em dificuldades para manipular o template que havíamos desenvolvido, pois mesmo se tratando de algo pré-configurado, a manipulação cobrava uma certa habilidade do usuário, que só poderia ser adquirida com muitos meses de dedicação.

A sorte mudou para o nosso lado no momento em que recebi a notícia da nova versão do software livre MakeHuman. Não que eu não já o tivesse utilizado, na verdade eu o conhecia relativamente bem, mas não havia me encontrado nas versões anteriores, por conta de algumas incompatibilidades no momento da importação dos modelos gerados nele para dentro do Blender. No entando, ao testar os scripts fornecidos pelos desenvolvedores tive um grata surpresa ao ver que tudo funcionava perfeitamente.

Para aqueles que não conhecem, o MakeHuman, grosso modo é uma ferramenta “fazedora de humanos”. Quando abrimos o software nos é apresentado um modelo padrão o qual adaptamos a qualquer sexo, idade ou ancestralidade apenas manipulando uma série de atributos intuitivamente organizados em sua interface. Tudo de forma visual e em tempo real.

Em tese podemos criar qualquer tipo de ser humano e o mais interessante é que dada a sua facilidade de uso, qualquer pessoa pode operá-lo em poucos minutos.

A ideia que me veio a mente foi a seguinte, já que o Dr. Miamoto havia dominado a primeira parte do processo ele poderia também, munido das informações estraídas do crânio, configurar o modelo e me enviar o arquivo que eu usaria para adaptar a geometria definida pelos marcadores de tecido e pelas projeções nasais.

Captura de tela de 2014-05-05 15:37:39O primeiro teste que fizemos foi com um crânio que eu havia reconstruído há dois anos. Eu enviei o crânio, ele observou-o e definou o sexo, idade e ancestralidade. Em seguida ele configurou um modelo no MakeHuman munido dos dados levantados e em pistas fornecidas pelo crânio. Assim que terminou ele me enviou o material via e-mail.

Captura de tela de 2014-05-05 15:45:08Captura de tela de 2014-05-05 15:47:54

Captura de tela de 2014-05-05 15:54:48

Quando em 2012 modelei “do zero” aquela face eu levei mais ou menos 8 horas para finalizar o processo. Ao adaptar a face segundo os dados que recebi do Dr. Miamoto não demorei mais do que 20 minutos para finalizar a volumetria do rosto! Foi com assombro que depois importei a malha que eu havia feito e atestei que as duas eram muito compatíveis.

Captura de tela de 2014-05-05 15:29:43O teste havia funcionado e o mais interessante… não tratava-se apenas da cabeça, mas de um corpo inteiro já articulado, pronto para ser animado casou houvesse a necessidade!

1888800_693167877414969_6249758777188943176_o
Crânio alinhado e perfil traçado pelo Dr. Miamoto

Acima temos um exemplo de posicionamento de marcadores de tecido mole sobre um  crânio e em seguida o traçado do perfil, executado pelo Dr. Miamoto.

10503704_693688954029528_1731884347_o
Processo de adaptação da face configurada no MakeHuman e importada no Blender 3D sendo executado pelo Dr. Miamoto

Depois de configurar a face do indivíduo baseado nas informações cranianas ele importou o modelo do MakeHuman para o Blender e aos poucos foi adaptando a face segundo as projeções do perfil.

10506253_693705870694503_1051094134_o
Etapa final da adaptação do perfil da face usando como referência o traçado do perfil.

Perceba que o Blender e demais programas estão rodando sob Linux. Segundo ele mesmo, isso tornou o trabalho muito mais fácil e prático.

Dr. Miamoto ministrando uma aula de pós graduação em odontologia - reconstrução facial forense com PPT-GUI, MakeHuman e Blender
Quarta turma do curso de especialização em Odontologia Legal da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP-USP). Módulo de reconstrução facial forense com software aberto.
Dr. Miamoto explanando o funcionamento da digitalização de um crânio por fotografias, base da reconstrução facial
Dr. Miamoto explanando o funcionamento da digitalização de um crânio por fotografias, base da reconstrução facial

Abaixo alguma palavras do próprio Dr. Miamoto sobre o MakeHuman e a nova proposta de metodologia para reconstrução facial digital abordada nesse post:

“No Brasil, de modo crescente, os cursos de pós-graduação em Odontologia Legal incluem em sua grade curricular conteúdos de reconstrução facial forense. Geralmente, os alunos são iniciados na técnica manual e sentem-se motivados a aprofundar seus conhecimentos. É quase que instintiva a curiosidade pela técnica digital, não raro com olhares tanto romantizados (influenciados pelas séries de TV), onde acredita-se que há um único software que faz todo o trabalho e tudo é automático, quanto também olhares intimidados, como se o mundo digital fosse um terreno extremamente hostil para “forasteiros” como dentistas. A parceria que Cícero e eu estamos trabalhando, sempre com o amplo apoio de muitos parceiros no Brasil e no exterior, ajuda a tornar realidade o ensino das técnicas digitais a iniciantes. O protocolo que desenvolvemos está em constante aprimoramento, e indubitavelmente o MakeHuman constitui-se numa peça fundamental, que tira das costas do iniciante (e também dos experientes) o peso de modelar digitalmente uma face a partir de alguns polígonos. Além disso, a interface intuitiva do software aliada ao seu excelente desenvolvimento também permite uma demonstração em tempo real das principais características de cada ancestralidade, diferenças entre formatos e tamanhos de faces e crânios, ilustrações do desenvolvimento e envelhecimento corporal, assim  como outras nuances da variação humana que são muito úteis ao aprendizado em Odontologia Legal e Antropologia Forense.
Com o domínio de algumas funções e conceitos básicos do Blender, o avatar que é importado do MakeHuman pode ser adaptado ao crânio com relativa facilidade, com manutenção das características de sexo, idade e ancestralidade, propiciando ao aluno a cristalização de uma técnica tida como muito complexa, ou difícil, qual seja, a reconstrução facial forense computadorizada. A satisfação e o orgulho que um estudante sente ao de fato modelar uma face no computador é uma faísca que acreditamos ser um possível desencadeador de mudanças no panorama das ciências forenses brasileiras, que certamente tem na motivação e capacitação de seus próprios recursos humanos um dos pilares para seu crescimento e consolidação. Graças ao trabalho da comunidade ligada ao software aberto, novas soluções para velhos problemas podem ser vislumbradas, ainda com a vantagem da ampla acessibilidade às ferramentas, bem como seu custo reduzido ou até mesmo inexistente. Vida longa ao software aberto aplicado às Ciências Forenses!”
Paulo Eduardo Miamoto Dias, DDS, MDS, PhD
CROSP 91.834

Captura de tela de 2014-06-26 09:25:59Para tornar a tarefa ainda mais interessante e provar de uma vez por todas que o trabalho fica mais fácil, decidi testar a deformação do modelo que reconstruímos a partir do MakeHuman em um hominídeo.

Captura de tela de 2014-06-26 10:04:29Usei como referência a reconstrução de um Australopithecus afarensis executada há alguns meses atrás para mostras no Brasil e na Itália.

Captura de tela de 2014-06-26 10:10:17Usando o shapekey do Blender, que nos permite deformar um objeto guardando as informações do original, é possível acompanharmos o “morph” do rosto.

Captura de tela de 2014-06-26 11:23:43INFO_Morph

Tecnicamente podemos converter o modelo em muito outros mamíferos, como um tigre-dentes-de-sabrem um rato etc., não apenas em outros hominídeo.

Se podemos fazer uma adaptação tão diferente como essa, por que a leve converção de um tipo de face humana para outro seria um problema?

O mais interessante é que se tratando de software livre, com conteúdo compartilhável há uma grande possibilidade de fazermos uma parceria com a equipe de desenvolvimento do MakeHuman para colaborar com esse projeto tão interessante e que torna acessível ao grande público essa arte tida como extremamente complexa que é a modelagem facial.

Aproveitando o clima de Copa do Mundo eu diria que o pontapé inicial foi dado, que os contatos foram firmados e que agora tudo só depende de um pouco de tempo e esforço para que a coisa comece a acontecer.

Até o próximo post!


One thought on “MakeHuman – Testes com reconstrução facial e evolução humana

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Spam Protection by WP-SpamFree