Reconstrução facial digital – testes cegos e aplicação prática do protocolo

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For who speaks English, please see this link: http://arc-team-open-research.blogspot.com/2014/03/digital-facial-reconstruction-blind.html

Versión en español (gracias a Pablo Aparicio Resco): http://pabloaparicioweb.blogspot.com.br/2014/03/reconstruccion-facial-digital-test.html

Aprender a modelar uma face no computador não é uma tarefa das mais rápidas e fáceis. No mundo temos mais de seis bilhões de pessoas e nenhum rosto é igual ao outro. Por mais que o artista estude, ele nunca conseguirá modelar todas as formas, nunca conseguirá dominar as nuances da complexidade que temos nessa região tão notória do corpo.

Ainda  falando  dessas  características  tão  distintas,  confesso  que  não  havia  me dado conta  de  tal  assunto  até  começar  a  trabalhar  com  reconstrução  facial.  Nesse caso,  o artista  ou  cientista  que  fará  a  reconstrução  quase  sempre  não  tem  ideia do que  se apresentará frente aos olhos até terminar a obra. Quando mais ele reconstrói e compara os dados com a aparência do indivíduo em vida, mais ele vê que não pode parar de estudar.

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Existem  profissionais  dessa  área  que  são  excelentes  reconstrutores  de  caucasianos, negroides,  ou  de  malaios.  Dificilmente  um  artista  é  bom  em  todas  as ancestralidades. Qual o motivo? Simples. Além da complexidade do formato geral do rosto ainda temos os detalhes  que  diferem  uma  ancestralidade  de  outra.  Você,  por exemplo,  poderia  me descrever  o  que  difere  um  japonês  nativo  de  um  índio Panará?  Além  de  descrever conseguiria desenhar? Além de desenhar conseguiria modelar em 3D? Realmente não é fácil. Mesmo quando falamos das pessoas próximas, como parentes ou amigos, é difícil reconstruir mentalmente todos os detalhes de suas faces. Imagine ter que modelar tudo isso tendo apenas um crânio como pontapé inicial!

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Observações gerais

Ao longo desses dois anos de estudos tive a oportunidade de reconstruir faces em testes cegos, onde eu recebia apenas o crânio, com os dados estimados de sexo, faixa etária e ancestralidade. Com essas informações em mãos eu aplicava os conceitos estudados e etapa por etapa modelava uma aproximação baseada em dados estatísticos e anatômicos.

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Infelizmente não posso mostrar todos os casos, pois em alguns deles não conto com a licença de uso das imagens, mas no geral foram experiências bem sucedidas. Apesar do resultado não ficar com 100% de fidelidade, os dados colhidos da comparação de malhas mostram que os volumes criados digitalmente não diferem muito daqueles modelados a partir de parâmetros científicos.

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Existem muitas dificuldades relacionadas a essa realidade heterogênea do formato da face humana. Por conta disso é importante sempre ter o acompanhamento de profissionais relacionados as áreas de odontologia legal, antropologia forense e medicina.  Ter acesso a livros e artigos sobre cirurgia plástica pode ajudar bastante, pois além de ter uma abordagem diferente em relação aos compêndios de anatomia clássicos, também oferece uma vasta literatura sobre ancestralidade humana.

Após algum estudo, desenvolvi um protocolo para a realização de reconstruções faciais com o uso de softwares livres. Este trabalho foi feito em conjunto com o Dr. Paulo Miamoto e o Dr. Rodolfo Melani, ambos dentistas especialistas em Odontologia Legal do Laboratório de Antropologia e Odontologia Forense da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (OFLAB-FOUSP). Um dos principais aspectos do protocolo é que, uma vez que o usuário tenha um treinamento básico nos softwares, poderá dar seus primeiros passos, pois as funções utilizadas são citadas no manuscrito. Outro dado importante é que o protocolo aborda desde a digitalização do crânio a partir de tomografias/fotografias digitais até o acabamento da reconstrução. O artigo pode ser econtrado no seguinte link:

http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/JR_Dentistry/article/view/1993

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Ainda assim é preciso ter experiência no tocante a modelagem de algumas regiões do rosto. Um problema clássico envolvendo a reconstrução facial é a área dos pontos craniométricos supra e sub M2 (referindo-se à localização dos segundos molares), ou a “bochecha”.

O nariz é outra parte de difícil aproximação quando falamos de precisão volumétrica. Mesmo assim, ao se cruzar os protocolos mais populares disponíveis em publicação, pelos menos tem-se uma projeção bastante próxima ao real.

O passar dos anos também influenciam uma reconstrução, pois a pele humana torna-se mais flácida com a alteração de suas fibras colágenas ao longo do tempo. Em indivíduos da melhor idade, por exemplo, há uma tendência de leve inclinação do nariz para baixo, influenciando as projeções baseadas na literatura científica.

Estudos, parcerias e experiência, essa é a santa trindade de uma boa reconstrução facial fortemente comprometida com a imparcialidade.

Como funcionam os testes

A grande maioria dos trabalhos aqui apresentados foram executados em parceria com o Dr. Paulo Miamoto.

1) Inicialmente eu envio a ele uma réplica de crânio 3D extraído de uma tomografia.

2) O Dr. Miamoto analisa o material e me informa, dentro das limitações dos modelos 3D qual a estimativa para parâmetros que compões o perfil biológico do indivíduo, como o sexo, a faixa etária e a ancestralidade. Além disso, outras informações relevantes, como lesões ante-mortem, patologias e outras alterações dentocraniofaciais que podem causar modificações na aparência facial também são apontadas.

3) Com os dados em mãos eu inicio o processo de reconstrução facial, esculpindo os músculos principais da face e outras estruturas, bem como o nariz e os lábios a partir de tabelas de profundidades de tecidos.

4) Assim que eu termino a modelagem básica envio o resultado ao Dr. Miamoto. Após análise preliminar para avaliação dos parâmetros anatômicos, antropológicos e odontoforenses, o trabalho é encaminhado para finalização.

5) Para a comparação com a face verdadeira do indivíduo, no programa visualizador de imagens tomográficas apenas a pele do indivíduo é exportada como modelo 3D. Este modelo da pele “verdadeira” e a pele esculpida são abertos num programa de comparação de malhas. Os resultados são apresentados num mapa de cores, com um gráfico que representa quantitativamente as diferenças de profundidade entre as duas. Quanto mais a cor tender para o verde, mais a diferença de aproxima de 0 mm.

Conclusão

Apesar da grande satisfação com os resultados eu e meus parceiros de pesquisas estamos cautelosos. Como explanado acima, executar bem a modelagem de um grupo ou uma ancestralidade não significa que a técnica está dominada. Não significa que o sucesso será companhia constante dos nossos trabalhos. Só teremos uma certeza mais ampla se estudarmos mais e mesmo que estudemos pelo resto da vida, com afinco, por todos os dias que ainda nos restam, com certeza nós bem pouco saberemos diante de todas as possibilidades que esse mundo de heterogeneidade facial “teima” em nos oferecer.

Agradecimentos

Ao Dr. Marcos Paulo Salles Machado, pelos oportunidades de estudos relacionados a reconstrução facial forense. À Dra. Adriana Dal’Acqua pelos materiais de pesquisas e pelas valiosas informações relacionadas à geometria facial.


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